Entretanto, essa semana, todos
nós médicos fomos obrigados a tirar um momento para refletir sobre nosso papel,
nossa carreira, enfim, nossa profissão.
Há tempos a medicina
perdeu aquele “glamour” dos séculos passados. Somos trabalhadores como qualquer
outro, ganhamos pouco, trabalhamos em várias jornadas paralelas, dormimos mal,
comemos pior, vivemos com rotinas bem diferentes daquelas que orientamos aos
nossos pacientes como saudáveis.
Mas o que se viu nessa
semana com o pronunciamento da nossa “presidenta” foi um descaso, um
desrespeito a uma classe de trabalhadores. Dizer que a causa dos problemas da
saúde no Brasil é a falta de médicos, me parece uma piada de muito mau gosto.
Falta muita coisa sim,
até médicos, mas o problema começa muito antes. Falta estrutura, investimento,
aparelhagem, e mais uma infinidade de coisas que poderia passar o dia listando.
Nossa formação é longa,
sofrida. De verdade. Noites sem dormir, estresse, morte e vida por todos os
lados. Muitas horas de plantão e estudo. Muito choro e muito riso. Temos que
aprender a comemorar as vidas salvas, mas também a dar notícias ruins.
E ainda assim, depois de
11 anos no meu caso (6 de faculdade, 2 de pediatria e mais 3 de neurologia),
saí acreditando em algo melhor. Essa esperança muito se desfez na quantidade de
vezes em que vi uma criança morrer literalmente em meus braços, por não ter uma
vaga em UTI, ou numa ambulância em alta velocidade porque a vaga demorou e mais
vezes ainda, morrer ao chegar na UTI porque a vaga demorou muito. São todas
cenas inesquecíveis. Cada criança que morreu comigo foi uma dor, mas aquelas
que no fundo eu sabia que se foram por conta de uma estrutura falha e desumana,
fruto de muitos desvios de verba, de corrupção, essas tem um gosto que a gente
nunca esquece. Ver uma mãe pedindo desesperada: Dra, salva meu filho, ou uma
criança pedindo: Tia, não me deixe morrer; e você não ter certeza se pode
prometer isso, porque a vaga não sai. Você liga para 4, 5 hospitais e todos
lotados. Acreditem, é o pior momento da vida de um médico.
Mas ainda assim a gente
segue, estuda, melhora o olhar clínico, tenta de alguma forma precisar cada vez
menos do sistema. Alguns endurecem, outros desistem. Outros ainda sobrevivem e
lutam mais ainda. Cada um se vira como pode.
Essas são histórias muito
particulares que divido hoje com vocês para que não pareça que estamos fazendo
reserva de mercado quando falamos que médicos estrangeiros não são a solução.
Que saúde é coisa muito séria e que nossa profissão é digna e merece respeito.
Tem médico ruim? Claro. Como tem qualquer outro profissional ruim e desonesto.
Mas não podemos generalizar. Tem muita gente boa, que como eu, ama o que faz e
só quer um pouco de dignidade para poder levar a vida cuidando de outras vidas.
Vamos torcer e gritar e
lutar por um país melhor. E com saúde.
Um abraço
Dra Alessandra
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