Iniciamos há poucos meses um serviço de informática para deficientes visuais (ou cegos), e devo confessar que a cegueira pura é muito nova para mim.
Vou explicar: eu estou acostumada a atender casos de deficiencia visual no contexto de situações clínicas graves, como paralisia cerebral grave ou deficiência mental.
A cegueira pura, em pessoas com mobilidade e cognição normal é para mim um novo mundo, onde os pacientes me relatam suas experiências, suas dificuldades e sua percepção sobre a situação.
Pois bem, esse rapaz, B. de 23 anos, estava saindo do seu curso de informática à noite, quando tinha 16 anos e foi abordado por 2 assaltantes, que levaram seu pouco dinheiro e na fuga dispararam 2 tiros na direção de B. Os dois disparos acertaram a cabeça na região posterior (occipital). Uma bala entrou e saiu e a outra continua alojada. Após várias cirurgias e cerca de 3 meses de internação, B. foi liberado do hospital com poucas sequelas motoras e sem sequelas cognitivas, mas sem enxergar nada em ambos os olhos e com uma epilepsia controlada com medicamentos que ele toma até hoje.
A região occipital é a responsável pela visão e embora seus olhos continuem normais, ele não enxerga pois o cérebro não processa essa informação – é o que chamamos cegueira cortical.
A partir daí, surge uma história de superação, B. vai à escola, onde se alfabetiza em Braile, quer fazer computação e violão e está aprendendo a tocar violino para fazer parte do grupo de música de sua igreja. Em casa, é independente para todas as atividades (toma banho, se troca, vai ao banheiro, come). E se recusou a receber o auxílio doença (LOAS) pois ele quer mesmo é trabalhar e não se sente incapacitado em momento algum.
Terminou a consulta me dizendo: Doutora, acho que a bala destruiu a parte ruim do meu cérebro! Aquela que sentia raiva e tristeza. Ficou só a parte boa, que sente alegria de viver e que ama à todos!
Terminei a consulta sentindo um misto de emoção e admiração e agradecendo a oportunidade de conhecer pessoas tão diversas e tão ricas em suas diferenças!!
Boa semana! Um abraço!
Dra Alessandra
Dra Alessandra
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