segunda-feira, 30 de junho de 2014

Algumas notas sobre o Tempo

Novo texto da Neuropsicóloga Melanie Mendoza

Hoje gostaria de escrever sobre tempo. Tempo para quem tem uma criança especial é algo raro, curto e precioso.

Raro porque quase nunca vejo pais ou mães dizendo que tiraram um tempinho para si ou que tem uma “folguinha” de vez em quando.

Curto porque os afazeres são muitos. Os afazeres da vida, do trabalho, da casa e, claro, com o filho. Crianças podem trazer alegria e prazer, mas dão trabalho. E como dão trabalho. Crianças com deficiência mais ainda: ajudar os filhos em diferentes tarefas, levar à(s) terapia(s), estimular e ensinar atividades - treino de atividades de vida diária, andador, fala, comunicação….

Precioso porque nós profissionais sempre falamos de diagnóstico precoce, estimulação precoce, “quanto antes melhor”, neuroplasticidade, janela de desenvolvimento, etc.

Tudo isso é verdade, mas gostaria de convidá-los à pensar nas outras situações em que a calma e a espera  também são altamente terapêuticos.

Agora vocês devem estar pensando, lá vem de novo uma psicóloga dizer que eu preciso tirar um tempo pra mim. Sim, você deve, porém não é desse tempo que eu quero falar.

Quero falar do tempo para esperar pelo seu filho.

De acordo com o dicionário Houaiss eficiente é aquilo “que obtém resultados efetivos com o mínimo de perdas, erros, dispêndios, tempo etc. no seu trabalho, numa tarefa ou na consecução de um fim”. Como o próprio termo diz, uma criança na sua deficiência não é eficiente. Ela, ao realizar uma tarefa que requeira as habilidades que estão prejudicadas por sua condição, demora, calcula e, muitas vezes, erra antes de acertar. E não raro o acerto pode ser considerado apenas parcial por um juiz mais exigente.

Vejo muitos pais, mães e avós, cuidadosos e empenhados, mas que em sua roda-viva cotidiana, não esperam por suas crianças. As frases mais comuns são:

-“Ele demora muito pra comer então eu dou na boca.”
-“Ela demora muito pra andar com o andador então eu carrego no colo.”
-“Ele se atrapalha para se vestir, então de manhã eu coloco a roupa.”
-“Ela anda devagar então eu acho mais fácil levar no carrinho quando a gente sai.”
-“Ele se suja todo com o copo (ou a colher) por isso eu dou a mamadeira.”

Sonhamos com uma sociedade inclusiva que tenha respeito pelas diferenças, mas temos dificuldade de incluir essas diferenças de eficiência no nosso tempo, dando oportunidade para que as crianças – especiais ou não- realizem uma tarefa no seu ritmo, errando e tentando de novo.

Se elas aprenderem que completar uma atividade no tempo possível e não no tempo desejado é um direito e um motivo de orgulho, elas serão mais capazes de lutar  por este direito quando for necessário. 

Crianças precisam sentir que mesmo “ineficientes” nós estaremos lá, esperando por elas. E que isso não vai causar um transtorno no nosso dia. Pequenas  realizações da infância nos ajudam a construir uma autoimagem positiva e nos fornecem confiança para futuras realizações.

Quem sabe da próxima vez que houver um compromisso dê para você incluir uns minutos extras para o seu pimpolho praticar ser independente.

Um abraço
Melanie
 
















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