segunda-feira, 2 de junho de 2014

O que te define?

Pouco tempo atrás atendi a uma menina que me tocou muito. Aos seis anos, ela tem uma condição chamada mielomenigocele (vide texto da Melanie Mendoza no blog), uma mal formação da medula espinhal e da coluna vertebral, associada a um quadro de epilepsia com bom controle com medicação. 

Restrita a cadeira de rodas, ela é uma menina muito inteligente e funcional. Alegre, falante, bem articulada, ela é a sensação da escola.

Ao perguntar o que ela mais gosta de fazer, ela me respondeu que é dançar ballet. Eu então perguntei como ela dança e ela com aquela espontaneidade própria das crianças me disse: "Assim tia!" E girou forte a cadeira de rodas levantando os braços em posição de bailarina, com o rosto virado de lado e um grande sorriso.

Confesso que a cena me emocionou muito. Descrevendo assim, é difícil imaginar a beleza e a pureza do momento. Essa alegria, essa felicidade genuína são características marcantes da infância, onde o preconceito e a cobrança excessiva ainda não fizeram o estrago que fazem na vida dos adultos. Uma fase bela, onde ainda acreditamos fortemente que podemos ser aquilo que queremos.

Esse evento me fez refletir sobre o que nos define. Há muitos anos atrás uma amiga médica, que tem epilepsia, me disse que essa situação nunca a definiu. Que a vida dela foi sempre permeada pela certeza de ser mais e maior que isso. Que ter epilepsia era um pedaço pequeno da vida dela, mas que o que ela tinha a oferecer ao mundo era infinitamente melhor do que uma dúzia de crises.

Obviamente isso requer muita força interior. Nosso mundo nos julga por critérios muito rígidos de aparência e normalidade e qualquer coisa que fuja desse padrão é vista com desconfiança. O preconceito que permeia a epilepsia, a deficiência física, sensorial e intelectual, parece querer reduzir as pessoas a meros representantes de sua condição patológica.

Mas pensando na minha pequena paciente, consigo ver claramente essas palavras. Ela não se deixa definir por aquilo que não pode fazer. É maior que sua deficiência. Não é a menina na cadeira de rodas e sim a menina que dança. 

Diariamente tenho esses exemplos. Crianças e adolescentes que não se deixam definir pelos seus diagnósticos. O diagnóstico é parte da sua vida e não ela inteira. Seus pais são indivíduos completos e não a “mãezinha” da criança com autismo ou paralisia cerebral. Muitos vem conseguindo vencer esse preconceito com leveza e grandeza de espírito.

Costumo enfatizar que o diagnóstico não é um rótulo que define as pessoas e sim um ponto de partida para alcançar todas as potencialidades possíveis. Vamos olhar o mundo dessa forma? Vamos nos encarar desta forma?

E você? O que te define? Pense grande. Sonhe alto. Defina sua vida pelas suas melhores características. Seja leve. E seja feliz.

Boa semana. Um abraço.
Dra Alessandra


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